Resenha: Maria Wilker, um romance de Suzana Albornoz.

Série Narrativas

Título: Maria Wilker

Editora Mulheres

282 páginas

Capa: Gracco Bonetti sobre desenho – pintura com ecolini, por Geraldo Fisher.

Publicação 2014

Sobre a Autora: Suzana Albonoz é natural e Santana do Livramento e reside em porto Alegre, graduada em Ciências Sociais, Mestre e Doutora em Filosofia, lecionou na Universidade de Rio Grande e Universidade de Santa Cruz do Sul.

Olá Flores,

No romance intitulado Maria Wilker, eu tive a agradável surpresa de encontrar uma leitura sofisticada, densa, altamente filosófica e poética como há muito tempo não encontrava. Se fosse possível comparar eu diria que me lembrou da obra A Hora da Estrela de Clarice Lispector pelo total introspecção da personagem e ao mesmo tempo trazendo com ela tanta lucidez e reflexão sobre a sua essência e a sua existência de um Eu no mundo e a relação com o outro.

A história de Maria Wilker começa com a protagonista finalizando seu curso de pedagogia em Porto Alegre e ela narra ali seus esforços para concluir o curso, suas expectativas profissionais e pessoais para um futuro próximo.

O universo dela é bastante resumido Maria mora com a mãe e um irmão, tem uma amiga chamada Joana, alguns amigos no bairro e um deles se destaca o Zé Antônio.  E na faculdade um professor de filosofia, o professor Gotts.

O livro é dividido em partes e cada parte tem sua peculiaridade então vejamos; Na primeira parte Maria Wilker mostra-se uma moça introspectiva como eu já disse e isso advém claramente de um tipo de educação e relação que ela tem em casa. Os diálogos que a moça tem com a mãe são mínimos, curtos, secos, sem demonstração de afeto e com o irmão menos ainda, lembrando que estamos falando de 1967 logo era natural certa rigidez no trato familiar.

 

Esta primeira parte é praticamente toda narrada no pensamento de Maria Wilker e nela ficamos conhecendo as ambições da moça que deseja ser uma escritora, mais que isso ela deseja escrever um clássico mesmo tento consciência de que sendo ela mulher isto seria um desafio ainda maior que o usual.

Com a formatura vem também um convite para estudo na Alemanha e Maria aceita. Nisto começa a segunda parte do livro que é toda narrada por cartas entre Maria e as pessoas de seu convívio no Brasil, porem o livro apenas mostra as cartas que Maria envia e nunca as que ela recebe, ou seja, deixando o leitor refém da interpretação de Maria das cartas que apenas ela leu e respondeu, notem que interessante.

Neste momento do livro a protagonista se solta mais fala livremente, tanto com sua mãe e irmão quanto com a Joana, sua amiga e também com o Zé Antônio e também com seu professor.  Maria fala com cada um sobre um aspecto de sua vida, com professor sobre o curso, com a mãe e irmão sua preocupação, saudade e amor pela família, com Joana papo de amigas e com o Zé ela começa então falar de um amor que percebe sentir por ele.

Neste momento da historia o Brasil esta em plena ditadura e Maria esta fora do Brasil e isso angustia e aflição a nossa protagonista com tantas noticias que chegam a ela lá fora das atrocidades que estão acontecendo em seu país.  

No inicio de 1975, Maria anuncia em carta enviada ao professor Gotts, e com a chegada dela ao Brasil e com a ditadura perdendo as forças ela se vê questionando os rumos de sua vida até ali. A narrativa se torna delirante e eu muitas vezes tive que retomar a leitura para acompanhar pensamentos tão complexos da personagem ao ponto de diálogos de paginas inteira me deixar na duvida se o outro personagem estava lá em cena de fato ou era outro Eu de Maria que se sobrepunha em dados momentos.

Ela volta ao Brasil disposta a encontrar seu lugar, amigos e família, mas ela sabe que muito se passou com ela distante sabendo tudo por cartas apenas, e esta volta se constitui em verdadeiro renascer para Maria.

Sem sombra de duvida este é um livro que talvez deva ser analisado a luz de Jung, Bakhtin ou algum outro estudioso que de conta de colar as muitas faces de Maria Wilker ou pelo menos falar com maior propriedade sobre a obra sem correr o risco de ser banal e medíocre mediante a riqueza desta obra.

Este é um livro que nos fala de como os caminhos que seguimos nos afastam não apenas de nossos verdadeiros sonhos e desejos, mas também de nós mesmos e como isso pode reverberar, ou melhor, eclodir dentro de nós, deixando fragmentos em lugar de um ser inteiro.

Até que ponto nos gostamos do que nos tornamos e em que medida conseguimos suportar este estranho que nos contempla do espelho, como lidamos com ele ou se apenas o toleramos pois somos obrigados a conviver com quem nos tornamos. Mas então eu me pergunto, não estamos todos nós vestindo muitas mascaras ou mostrando muitas faces? Estas são algumas reflexões livres que fiz a partir da leitura desta obra.

Dor, solidão, amor e delírios... Aconselho muito, leiam o livro!

Abraços poéticos,